O Ruanda podia ter desaparecido. Em 1994, foi palco de um dos genocídios mais brutais da história contemporânea. Em apenas cem dias, cerca de 800 mil pessoas foram assassinadas. Quando o massacre terminou, o país estava devastado — emocional, económica e socialmente. Mas foi precisamente a partir desse vazio que nasceu algo inesperado: uma revolução liderada por mulheres, que transformou Ruanda num exemplo global de resiliência, justiça e igualdade de género.
Com mais de 70% da população sobrevivente composta por mulheres, foram elas que ficaram para reconstruir o que restava. Assumiram funções até então negadas — na política, na justiça, na educação, na economia. Primeiro por necessidade, depois por mérito. E o mundo começou a reparar.
Hoje, Ruanda tem o maior número de mulheres no parlamento em todo o mundo: 61% dos lugares são ocupados por deputadas. Quase metade dos ministérios também está nas mãos de mulheres. Este avanço não é decorativo, é transformador. Com mais mulheres no poder, vieram novas prioridades, novas leis e uma nova forma de governar — mais próxima das pessoas, mais centrada no bem comum.
Ruanda após o genocídio: o impacto real das mulheres no poder na educação, justiça e economia
A educação foi uma das áreas mais impactadas. A taxa de literacia feminina passou de 43% em 1991 para mais de 71% em 2022. As raparigas têm hoje maior taxa de frequência no ensino primário do que os rapazes. O governo criou programas de bolsas de estudo para mulheres em áreas como ciência, tecnologia e engenharia, incentivando uma nova geração de líderes femininas.
Na justiça, o impacto também é visível. Foram aprovadas leis contra a violência doméstica, e as mulheres passaram a ter igualdade legal no acesso à terra e à herança. Nos tribunais comunitários criados para julgar crimes do genocídio — os chamados Gacaca — milhares de mulheres serviram como juízas, contribuindo para uma justiça mais próxima, mais empática e mais eficaz.
A economia beneficiou de forma clara. Com acesso facilitado ao crédito e à propriedade, muitas mulheres tornaram-se empreendedoras, criaram cooperativas e impulsionaram a economia local. A taxa de pobreza extrema caiu de 60% em 2001 para 38% em 2020. E os estudos mostram que, quando as mulheres lideram, há maior investimento em saúde, educação e desenvolvimento comunitário.
Como a liderança feminina transformou Ruanda num exemplo global de igualdade de género
Ruanda ocupa hoje o 6.º lugar no ranking global de igualdade de género do Fórum Económico Mundial. É um feito impressionante, sobretudo para um país com uma história tão marcada pela violência. No entanto, nem tudo é perfeito. Em muitas zonas rurais, persistem normas patriarcais e desigualdades profundas. A violência baseada no género continua a ser uma realidade preocupante. E, embora o parlamento seja paritário, o sistema político é fortemente centralizado em torno do presidente Paul Kagame, o que levanta questões sobre a real autonomia dos poderes.
Ainda assim, Ruanda mostra-nos algo raro e valioso: quando as mulheres tomam conta de um país, não só o reconstroem — transformam-no num lugar mais justo, mais equilibrado e mais humano. Esta é uma história de dor, mas também de coragem, visão e mudança real. Um lembrete poderoso de que o empoderamento feminino não é uma moda — é uma estratégia de futuro.