Hoje, quando olhamos à nossa volta e praticamente todas as mulheres trabalham (1). Uma grande maioria tem um diploma universitário ou mais estudos (2), todas têm o direito de votar, podemos conduzir e até sair do país sem precisar de pedir ao marido ou ao pai. Parece que o mundo mudou, mas a única coisa que mudou é que agora temos mais reuniões e menos tempo para reclamar. E não é por acaso.
Ora sucede que esta perceção de que já está tudo bem, é profundamente enganadora. Estes sinais, que muitos interpretam como provas de igualdade alcançada, são, na verdade, indícios de uma negação coletiva, a versão moderna de tapar o sol com a peneira – só que a peneira é um pouco mais tecnológica.
Não podemos esquecer que estas “conquistas” nos foram “concedidas” há pouco mais de 50 anos. Se a história fosse uma maratona, estaríamos ainda a calçar os ténis.
Os homens, muitas vezes, não têm consciência do seu machismo. Quero acreditar que não fazem isso de propósito, da mesma forma que não deixam a tampa da sanita levantada de propósito. Mas como já demos alguns passos – na educação, no voto e noutras liberdades – muitos pensam que está tudo resolvido. E que se as mulheres não vão mais longe, a culpa é delas.
Nos nossos locais de trabalho, continuamos a enfrentar uma série de comportamentos que perpetuam a desigualdade. É como jogar um jogo de tabuleiro onde as regras mudam sempre que estamos prestes a ganhar.
Hoje em dia ainda somos alvo de piadas depreciativas, onde a única solução é fingir demência. Continuamos a sofrer interrupções constantes durante as reuniões, que nos deixam a rosnar e assoprar para dentro.
Ah, e não esquecer o famoso “mansplaining”, onde os homens nos explicam coisas básicas que já sabemos, portanto zero crédito. E, para completar, enfrentamos horários que nos obrigam a escolher entre ser boas profissionais ou boas mães, mesmo quando o multitasking é o nosso superpoder desde sempre.
As estatísticas não mentem: menos de 6% dos CEOs são mulheres, e apenas 27% dos cargos de liderança são ocupados por nós. Com estes números parece que ninguém se apercebeu de que estamos no século XXI. Vocês não se envergonham com isto? Eu envergonho, mas é vergonha alheia.
Mulher assertiva vs Homem assertivo
Quando uma mulher é assertiva – ao falar mais entusiasmada ou tomar decisões firmes – é vista como agressiva ou, no mínimo, como estando “naqueles dias” no máximo “que c4br4”. Já um homem, nas mesmas circunstâncias, é gabado como um grande líder cheio de garra, ovação de pé e aplauso sentido. Este duplo padrão desvaloriza as mulheres e as suas competências, forçando-as a adaptarem-se a um sistema que as marginaliza.
Este comportamento leva muitas mulheres a calarem-se e a adaptarem-se a um ambiente de trabalho que julgavam ser igualitário, mas que na verdade é bastante hostil. Mas, surpresa, não é. E o pior é que muitas destas atitudes acontecem em empresas com selo de defensoras da igualdade.
Os níveis de cansaço entre homens e mulheres
Foi-nos dito que, quando as mulheres tivessem acesso a educação, emprego e independência financeira, alcançariam a equidade, o poder e a liberdade. Mas a realidade é tão diferente que mais parece uma piada de mau gosto.
Na maioria dos casos, quando os homens chegam a casa, o chão está lavado, têm a camisa passada, o jantar na mesa e as crianças prontas para dormir. O dia dos homens tem 24 horas, enquanto o nosso parece ter umas 36 e ainda precisássemos de umas horas extra para respirar.
A domesticação da mulher
A domesticação da mulher começa em casa e estende-se ao local de trabalho, afundando-as em trabalhos básicos e morosos, silenciando as suas ideias e iniciativas, abafando a sua criatividade e autonomia, e impedindo-as de alcançar o seu verdadeiro potencial. Será por acaso? Hum, tenho para mim que não.
Enquanto não reconhecermos esta realidade, as conquistas aparentes continuarão a ser apenas isso – aparentes. Cabe-nos a todos, empresas, instituições, mulheres e homens, lutar para que esta mudança se torne uma realidade efetiva e não apenas uma ilusão bonitinha para trazer de bandeira.
Como é que se combate a domesticação da mulher?
- Políticas públicas que permitam conciliar a vida familiar e a carreira profissional.
- Empresas mais femininas e direções mais femininas.
- Plataformas de avaliação terceirizadas e independentes (não pagas para receber o prémio).
- Avaliações internas multinível e que não sejam só de cima para baixo.
- Com mulheres a ajudar mulheres.